De tempos em tempos

De tempos em tempos me pego pensando no por quê faço, ou deixo de fazer, certas coisas. Por exemplo, por que parei de escrever?
Não estou triste, muito pelo contrário, mas me pergunto o por quê mesmo, no sentido de me compreender melhor. Eu gostava, e gosto ainda, de escrever.
Será que me tornei tão mecânico a ponto de não ver mais valor técnico nisso, não escrevo por que não acrescenta nada no meu trabalho? Eu realmente não quero acreditar em coisas assim, mas me pego nesses pensamentos e sinto que a única maneira de me livrar deles é entende-los por completo.
Eu sinto que perdi a inspiração pra escrever. A verdade é que grande parte da minha vontade por expressão veio de sofrimento e angustia, da tristeza inerente de ser solitário, de pensamentos sombrios e estranhos em noites escuras. Eram desses sentimentos que eu tirava a maior parte das palavras e das frases, que jorravam em rascunhos na maioria das vezes nunca digitalizados e agora, portanto, perdidos para sempre. Mas o fato é que hoje estou feliz e a felicidade me inebria. Me deixa bobo, sem ação. Mas feliz. Fico pensando “eu poderia viver o resto dos meus dias desse mesmo jeito, sem mudar nada” e o pensamento trás um sorriso leve ao meu rosto, mas em raros momentos de sobriedade eu me pergunto “o que que eu estou fazendo?” e então me lembro que faz alguns anos que já não escrevo nada, até que a felicidade volta e esqueço tudo isso. Como se fosse um Éden ou um País das Fadas no qual eu perco a noção do tempo, comendo e bebendo, rindo e gozando a vida, mas envelhecendo. Não me entenda errado, não é nem um pouco ruim, mas talvez por isso mesmo seja, de fato, ruim?
Eu sempre tive a noção de que se eu fosse realmente feliz, eu não escreveria mais. Que a tristeza era sobriedade, era racionalidade. Não se pensa bem quando se está feliz, justamente por que se está feliz. Não existe desejo por mudança, não existe ambição, não existe desafio. Todas essas coisas exigem um estado de inquietação que é inerente de que está descontente. Insatisfeito.
Eu estou completamente satisfeito.
Mas eis o ponto.
Sabendo exatamente pra onde eu vou, a que velocidade estou, e qual caminho vou percorrer, o que resta da viagem? Para que ler uma história que já se conhece? Se você traça todos os planos, então o que sobra, além da inércia? E como se tirar da inércia se não há justificativa?
Estou feliz assim e, por mim, poderia continuar nessa situação pra sempre, e isso não é um eufemismo. Tenho consciência hoje, da mesma maneira que tinha consciência de que não escreveria mais se fosse verdadeiramente feliz, de que vou sentir saudades desses dias preguiçosos e de pequenas coisas simples. De histórias simples. Eu entendo a escolha de certas pessoas pra viver assim pra sempre.
Mas acredito que para isso que existe a aleatoriedade. Eventos imprevistos e inesperados, perturbando a paz de todos nós, nos forçando a sair da nossa zona de conforto. Nos forçando a seguir em frente ao invés de nos contentarmos com simplesmente estarmos felizes.
Coisas inesperadas como decidir a voltar a escrever num dia chuvoso, apesar de não ter nada sobre o que falar.


Uma História de Traição III

Minha amiga começou a falar sobre como descobrira a traição, como era uma fã absurda minha e como queria muito punir minha esposa por seu crime terrível, mas que queria fazer isso evitando que eu me machucasse.
Eu não estava ali, aquele sentado na cadeira se masturbando era só outro personagem, era só um tarado malicioso, um mero figurante na história. O marido não sabia de nada.
Ela completou:

– Você tem que cooperar ou não vai sobrar nada pra você. Ela sempre foi muito boa com improvisos na escola de teatro, pensei. Minha esposa tremeu e começou chorar. Eu me levantei e me coloquei do lado dela com o meu pau apontado para sua boa, e retirei sua mordaça. Minha amiga desceu até a buceta dela e começou a chupar. Acariciei seus peitos violentamente enquanto ela me chupava com má vontade. Tão diferente de quando estava com aquele cafajeste! Senti raiva e quase perdi o controle, mas continuei com o script.

Minha amiga masturbou e chupou minha esposa até ela ficar inteiramente excitada, enquanto eu lambia seus peitos e orelhas, coisas que eu sabia que eram suas zonas erógenas mais sensíveis. Quando ela estava prestes a gozar, nós parávamos, nos beijávamos, nos acariciávamos e retomávamos com ela, quando ela esfriava. Na terceira vez, ela reclamou e minha parceira sorriu. “Putas não merecem gozar”, ela disse.
Coloquei um vibrador na boceta da minha esposa, que ainda estava amarrada apesar de não estar amordaçada e fui dar à minha amiga o que ela sempre quis: o show de sua vida.
Nunca fodi alguém tão forte, tão rápido, tão intensamente e durante tanto tempo, e imagino que a situação ajudou muito para a minha performance, afinal, eu estava com raiva, e excitado ao mesmo tempo que não sentia a menor vontade de gozar. Vez ou outra colocávamos minha esposa na brincadeira, lambendo, mordendo, puxando, esfregando, mas nunca demais.
O tempo inteiro não disse nada, não gemi, não gritei, me segurei em todos os sentidos, afinal, não era eu. Não podia ser eu. Quando terminei com a minha amiga, ela não conseguia andar e cochilou no sofá em que eu estava antes.
Provoquei minha esposa mais algumas vezes até ela pedir “Me desamarra pra gente trepar igual você fez com ela, por favor!” e existia súplica verdadeira em sua voz, embora eu suspeitava de que ela se convencia de que era uma chance de fuga. Mas não havia misericórdia em mim. Sua voz, seu tom de desejo velado, me lembrou aquelas horas com aquele diabo e me senti tentado, mas ainda faltava muito… Eu tinha que esperar.
Quando minha amiga se recuperou, soltamos minha esposa e explicamos: Nada de telefone, nada de sair, nada de falar com ninguém, pois estávamos vendo. Qualquer movimento em falso e ela estava perdida. Minha amiga acrescentou algo que eu achei ser o toque de mestre, algo que somente algo como ela poderia pensar: “E você não pode se masturbar ou fazer sexo com seu marido, nem com ninguém, estaremos vigiando de perto, cada instante”. Ficamos assim por mais algum tempo: ela só podia sair de casa com o marido, não podia se satisfazer, não podia falar com ninguém, telefones e celulares tocavam e ela não podia atender. Mais de uma vez ligamos para ela quando víamos que ela estava tentada a quebrar as regras, somente para lembra-la de que estávamos realmente observando todo o tempo. Sempre de celulares pré-pagos, sempre de locais perto da casa, ela sabia que éramos nós pelo número desconhecido. À noite, quando o marido saía, os pervertidos chegavam. Fodiamos na frente dela, sempre excitando ela sem deixar ela se satisfazer, começamos a apertar mais o cerco ao que restava de sanidade nela com brinquedos anais e vibradores. Ela já não resistia, só reclamava de pararmos antes dela gozar, implorava pelo meu pau, suspirava ofegante enquanto via a gente foder duas, três vezes. Quando transamos em cima dela com ela amarrada sem poder participar, quase ficou louca.
Quanto mais tempo passava, mais excitada e submissa à nossa vontade ela ficava. Depois algumas semanas o cafajeste apareceu na porta de casa preocupado pela falta de contato, e não estávamos lá. Eu estava vigiando e tinha me preparado pra ligar mas ela mesma o dispensou, sem ao menos abrir a porta e teve a cara de pau de dizer que amava o marido e tinha se arrependido. E que se ele contasse que tiveram um caso, ninguém acreditaria, e ninguém acreditaria mesmo. Sem fotos, sem vídeos, sem provas. Paguei um amigo para hackear o computador dele e apagar tudo. Com direito à vírus que destrói a câmera quando o cartão SD é colocado nela.

Depois de dois meses eu achei que ela fosse surtar. Pessoas fazem coisas inesperadas quando estão desesperadas, agem sem pensar e sem medir as consequências e é aí que está o maior perigo. Ela podia pôr tudo a perder e nós destruiríamos a vida dela em resposta, fazia parte das regras do jogo e eu pretendia levar aquelas regras seriamente, mas eu não queria fazer isso.
Ela estava tão excitada e perturbada, que brigava com o marido por motivos mais estúpidos, olhava estranhamente da sacada do piso superior da nossa casa, imaginando se uma queda tão pequena poderia matá-la, imagino.
Uma vez, durante o jantar e comigo conversando alegremente sobre uma história sensual que gostava, eu a toquei no ombro e ela tremeu tão intensamente que eu achei que ela fosse convulsionar, mas ela se controlou, brigou comigo por alguma outra coisa idiota e foi para o quarto. Imagino que ela se tocava em determinados momentos como quando estávamos dormindo, debaixo das cobertas no sofá em um dia frio, coisas assim. Uma vez, tive certeza de que ela se masturbou no banheiro de um restaurante que fomos, pois apesar da insistência da amiga dela, ela quis ir sozinha.
Cinco meses depois da primeira ameaça, ela já estava pronta.
Minha comparsa foi sozinha à minha casa, e disse à ela que fariam um passeio. Ela a levou em um carro alugado até um café, onde eu, marido feliz, aguardava.
A fez sentar em um canto onde eu não poderia vê-la e sussurrou: “Nosso amigo mascarado está te observando, você não pode fugir, só pode ver…” e saiu indo em minha direção. Ela estava a uma distancia em que podia nos ouvir sem problemas, enquanto ela se apresentava pra mim como uma grande fã e se derramava em elogios. Logo começou um flerte e eu neguei veemente, me levantei e fui embora.
No dia seguinte, a mesma coisa, mas dessa vez um amigo meu estava comigo e elas escutaram enquanto ele me encorajava a ficar com essa mulher deliciosa, espumando libido, mas eu recuso. As tentativas continuam, os encontros continuam, ligações dela pra mim enquanto estou com a minha esposa e eu posso ver o olhar de desespero velado dela, olhos vidrados no vazio, sabendo que é a comparsa ligando. Pude ver como era destrutivo para ela negar todas as vezes que seu marido quis fazer sexo, cada hora uma desculpa diferente. Como negar sexo quando se está com tanta vontade, que não pode ser extravasada? Ela conseguia. Talvez fosse a culpa.

Depois de algum tempo, uma festa de publicação de um livro de um amigo e lá está ela, minha comparsa, e que estranho apresentar ela à minha esposa! Fingir e mentir com ela sabendo que estou mentindo!
“Essa é uma fã muito leal e querida” e eu não pude conter a risada, nem minha cúmplice. Minha esposa fez a cara mais azeda que podia, que não era muito, de qualquer modo.
Comecei a sair à noite usando os pretextos mais variados e divertidos, observando o olhar de desespero dela quando eu dizia que ia voltar tarde e ficava vendo nos meus monitores ela se descabelar e falar sozinha. O cafajeste voltou algumas vezes e ela o dispensou, histericamente, gritando que era tudo culpa dele e outras coisas que pra ele, não deviam fazer sentido.
Um dia, depois de uma das clássicas (porém já não tão comuns) sessões de provocação, voltei como marido querendo sexo. Nunca tínhamos feito isso pois era proibido que ela fizesse sexo comigo, e ela poderia mesmo surtar se eu a tentasse tanto depois de ser tão provocada e pude ver a dor em sua voz quando mentiu dizendo que estava menstruada. Então eu, friamente, disse que ia sair e que não era pra ela me esperar acordada. Ela não esperou eu sair pra chorar.
Saí somente para por minha mascara silenciosa e bati na porta e ela recusou abrir, como sempre, pois ela devia evitar visitas. Mandei uma mensagem usando o celular descartável dizendo para ela abrir, que era eu, e ela veio correndo pois pude ouvir os passos apressados no corredor.
Seu rosto vermelho coberto de lágrimas e o cabelo completamente bagunçado e emaranhado. Entrei esfregando as mãos e observando a confusão no rosto dela. Eu nunca vinha sozinho.
Fui diretamente pro quarto, ouvindo os passos dela atrás de mim e quando sentei no sofá ela deitou na cama com os braços e pernas abertas, nua, como sempre fazia. Eu levantei e tirei da mochila os brinquedos de sempre e comecei a usá-los. Ela agora ficava molhada com facilidade somente com um toque ou dois. Ela esperava por isso, era os únicos momentos que ela tinha de prazer agora.
Fiz ela virar de costas e masturbei ela com vontade e parei abruptamente. Ela perguntou o que eu estava fazendo aqui, se minha companheira sabia, e esse tipo de coisa, mas a máscara não disse nada. Tirei meu pau para fora enquanto e ela começou a chupá-lo com tanta intensidade e vontade que poderia ter arrancado ele fora, quando vi que ela estava, hesitante, se tocando. Segurei o riso. Normalmente quando ela me chupa, a minha cúmplice a provoca e sem isso ela não sabe o que fazer. Quando gozei e ela engoliu, como todas as vezes (exceto quando eu era o seu marido) eu a virei de costas e a ouvi dizer “por favor me fode por favor me fode” baixinho. Já estava planejando realizar esse desejo e fodi ela com gosto, com ela deitada de costas e a cada estocada um gemido alto como se ela tivesse gozado, ela também estava chorando e eu tenho certeza que era de felicidade, fiz ela virar e depois de um tempo fiz ela sentar em cima de mim e eu queria que ela gozasse e ela devia estar gozando muito incontrolavelmente porque cada cavalgada dela, ela tremia. Teve uma hora que ela sufocou com um grito e eu nem parei de foder ela quando ela recuperou o fôlego, virou os olhos e meio que desmaiou de tanto prazer, só pra acordar comigo fodendo ela de lado. Depois peguei os brinquedos e fiz masturbar o próprio cú, que ela nunca tinha feito sozinha, enquanto eu a fodia violentamente. Ela se deliciou, e eu sentia cada centímetro de prazer na pele dela, cada arrepio.
Quando ela estava de quatro, eu amarrei suas mãos novamente, vendei seus olhos, e tirei a minha máscara. Tirei toda a roupa e deixei de lado enquanto ela gemia e eu fodia ela, quando ela reparou que eu estava sem roupa pelo tato e soltou uma exclamação de prazer. Imagino que ela queria ver meu rosto, mas eu mantive ela virada de costas pra mim, fodendo ela.
Quando gozei dentro de sua boceta, com ela exclamando baixinho “seu safado, gozou dentro…”, várias vezes, virei o rosto dela pra mim e tirei a venda. Ela demorou pra perceber o que havia de errado e havia tanta coisa de errada! Eu continuei fodendo ela, mas ela estava tentando escapar enquanto gritava e chorava e soluçava. Eu ri. Eu fiquei pensando muito tempo no que eu poderia falar quando chegasse nesse momento, mas nada me ocorria, então não disse nada e só continuei. Ela ficou chocada e pasma, provavelmente juntando as peças e vendo a cena toda. Eu sempre soube, sempre tinha sido eu, eu estava me vingando por ela ter me traído, eu tinha chantageado ela, eu tinha ficado com aquela moça, nossos encontros nos cafés eram todos armados. Eu sabia que ela sabia que eu estava traindo ela, mentindo pra ela. Eu sabia de tudo. Ela chorou o que foi uma cena lastimável porque ela tentou se cobrir mas como estava amarrada na cama não conseguia fazer nada além de cruzar as pernas e comprimi-las contra o corpo. Sentei no sofá e esperei ela se recompor, o que demorou um pouco. Foi bom, eu estava exausto. Estiquei o braço e peguei a mascara e coloquei de novo. Ela entendeu e abriu as pernas, quase que por instinto.
Talvez fosse o vibrador ligado em seu cu, que ela era incapaz de desligar ou tirar, ou talvez, como imagino, ela entendeu que eu havia redimido ela. Fiz ela pagar os pecado e me vinguei e não havia mais nada a fazer. Ela estava molhada de novo, pingando. Ela também entendeu que estava excitada e que eu poderia satisfazer ela agora, eu poderia ser sujo com ela também, podia fazer safadezas comigo! Afinal, eu tinha a mascara, eu não era o marido dela.
Eu era um pervertido e estuprador calado e ela? Uma mulher ordinária que traía o marido com esse pervertido.
Eu era o demônio agora.

.

.

.

Sempre bom lembrar, mais uma vez, que esta é uma obra de ficção.

 


Uma história de Traição II

A primeira coisa que eu fiz foi o que eu sempre faço primeiro: pesquisar.
Me enfiei em sites pornôs gratuitos e pagos, procurando os vídeos mais inescrupulosos possíveis. Uma mulher sendo estuprada em um metrô. Um marido obrigando sua mulher a ficar com seu melhor amigo. Pornografia infantil. Sadomasoquismo do mais extremo. Voyeurismo. Exibicionismo. Vídeos amadores e profissionais. Quando eu achei que não era o suficiente, fui ver ao vivo. Existem clubes para todos os tipos de tarados nas capitais e eu felizmente morava em uma imensa capital.
Me enterrei nesse tipo de sujeira, imundice e perversidade por duas semanas que bem poderiam terem sido dois anos. Você não acreditaria. O que sobrou de mim no final? Nada, provavelmente. Somente um personagem com uma maldade em mente, e uma ideia.
Nessas duas semanas eu me fiz de bobo. Disse para minha mulher que tinha uma ideia ótima para um livro e que eu precisava fazer muita pesquisa, o que não era de todo mentira. Como eu esperava, ela resistiu bem menos à ideia de eu me ausentar novamente. Pude vê-la até sorrir quando disse que no final do mês eu viajaria de novo. Precisei me convencer de que não senti nada.
Enquanto eu deixava eles se preparem para o show, eu preparava o palco. Minha ideia era simples, praticamente um clichê: precisava de um salvo conduto. Algo que eu pudesse usar para que, não importasse o que acontecesse, ela não me deixasse.
Então tranquilamente entrei em sites de compra chineses e pedi um conjunto de câmeras wireless para serem entregues com urgência. Pagos com depósito.
Instalei as câmeras pela minha casa enquanto minha esposa não estava, verifiquei as conexões, testei a duração das baterias. Tudo tão perfeito que algumas, principalmente as que ficavam no quarto, filmavam em HD e outras filmavam no escuro.
Criei uma conexão remota do PC em casa para meu notebook novo, comprado com esse propósito, seguro. Me instalei em um quarto de hotel e esperei o que eu sabia que aconteceria. Me forcei a sorrir.
O “demônio” entrou pela porta da frente da minha casa como eu sabia que faria. Ele sabe que eu sei, ele não vai tentar se esconder, muito pelo contrário. Tenho certeza de que eles nunca tinham ficado na minha casa. Agora a sugestão deve ter vindo dele. Ele quer me ferir mais, quer me destruir mais, quer me humilhar, quer que eu sinta o cheiro dele nos lençóis, no sofá, na casa inteira. Idiota, pensei.
Me forcei a assistir e quando doía demais, quando os gemidos eram muito altos, eu pensava: nada mais do que uma mulher ordinária e seu amante. Eu já não era o marido daquela mulher. Este havia morrido.
Devo dar crédito ao cafajeste, ele sabe como dar prazer a uma mulher. Coisas que nunca tinha visto minha mulher fazer, tons de voz que ela nunca tinha usado, gritos, berros, tapas, arranhões. Definitivamente coisas que eu nunca ouvi ela dizer. “Isso com certeza vai deixar meu trabalho mais fácil”.
Vejam bem, minha esposa sempre foi inocente, fiel e submissa. Sempre muito preocupada com a imagem dela e a imagem que os outros tem dela, com sua integridade. O que o cafajeste fez foi quebrar essa integridade, eu só vou terminar o trabalho.
Quando eles terminaram, eu liguei para uma amiga. Todo homem tem uma amiga safada, uma amiga atirada, e se o homem é fiel, como eu era, essa amiga puta sempre vai ambicionar esse homem, desejando ele pra si.
Pedi um encontro. Ela disse sim, com malícia.
Nos encontramos e eu expliquei a situação, basicamente, frio. Novamente, um personagem previsível quando se sabe qual persona ela é. Topou ajudar com a condição de que eu transaria com ela e ficaria devendo um favor e eu concordei absolutamente.
O passo a seguir era mais delicado.
Minha amiga puta teria de ser minha voz e minha atriz, minha testa de ferro, papel que ela aceitou com prazer indescritível. Eu confirmei que ela teria o prêmio dela da maneira mais deliciosa que ela poderia imaginar, e eu não estava brincando.
Voltei para casa no dia seguinte, tentando não sentir nojo e manter o papel de marido distante, mas os sinais eram tão claros! O embaraço dela, seus sorrisos escondidos, a maneira que a cama estava bagunçada, o cheiro, tudo. Ele realmente queria que eu soubesse. Bom, eu sabia.
Eu teria de ser cego para não ver. Talvez o pior erro da minha mulher foi achar que eu não prestava atenção nela e que eu não a amava mais. Até agora eu a amava e era justamente isso que me impulsionava. Eu reparava nos detalhes, sempre reparei. Nas unhas roídas, no cabelo bagunçado, eu sempre soube que para cada coisinha nela havia um motivo por trás que eu conhecia bem e eu não vi a traição antes porque não quis ver, era só… Impensável demais.
Me recuperei dos meus pensamento e ela me olhava assustada enquanto percebia que eu estava olhando para ela. Ela se cobriu e saiu do meu campo de visão e eu fiquei encarando o vazio, fingindo que não tinha visto as marcas de unha em sua coxa.
Eu disse que iria sair para ver meu editor, sorri e lhe dei um beijo. Complementei dizendo que, depois do meu próximo livro nós iríamos viajar juntos pra Holanda, que ela gostava tanto. Não precisei olhar o vídeo das câmeras pra saber que ela estava chorando depois que eu sai.

Uma hora depois que eu saí, enquanto ela preparava o almoço, a minha pequena agente da vingança ligou para ela comigo do seu lado. Ela falou exatamente o que escrevi para ela, com o exato mesmo tom que eu esperava que ela usasse – a poderosa a combinação de duas pessoas inspiradas e motivadas.
A ameaça saiu perfeita e eu pude ver as reações da minha esposa pelas câmeras, seu terror enquanto ela via o vídeo dela com o amante em seu celular. Minha amiga completou:

– Não procure as câmeras, não saia da sua casa, não se comunique com ninguém. Eu estou vendo você e em breve você vai receber uma visita.

Não me senti bem vendo seu terror e ansiedade. A verdade é que era exatamente o que eu esperava. Ameaçar expor seu caso para o marido fiel e apaixonado, para sua família, para seus amigos, no seu trabalho, impedi-la de se comunicar com qualquer pessoa enquanto espera algo, com certeza deixaria qualquer pessoa em frangalhos, e para minha mulher eram todos seus pontos fracos, sozinha, ameaçada e completamente indefesa contra uma enorme ameaça desconhecida.
Me vesti apropriadamente, máscaras de borracha, roupas pretas lisas, luvas. E tomei uma pílula de Viagra antes de entrar na casa, só para garantir.
Ela estava deitada, apática no sofá e se levantou muito rapidamente com o susto da porta se abrindo. Não poderia ser mais conveniente quando ela desmaiou, talvez pelo estresse e a pressão baixa.
Ela acordou amarrada na cama, uma série de brinquedos sexuais espalhados em volta dela, ela estava com uma mordaça que não a impedia de salivar. Quando ela acordou eu estava recebendo um belo de um boquete da minha amiga, só com o pau para fora da minha armadura de roupa negra. Ela se desesperou, gritou, se debateu e depois parou horrorizada quando eu gozei e minha companheira, também mascarada, engoliu.
Eu sorri por debaixo da máscara.

.

.

.

Sempre bom deixar claro novamente, isto é uma obra de ficção.

 


Escrevo

Eu escrevo como quem respira ar puro, em uma noite de madrugada. Muito se engana quem pensa que, para mim, escrever é um subterfúgio ou uma fuga, não, é um longo inspirar de ar fresco nos pulmões já muito cansados. Escrevo não como quem cria, mas como quem vive plenamente. Escrevo como como. Me alimento das palavras que escrevo, e há dias que como bem e há dias que como mal, e quando escrevo porque devo e não quero, fico enjoado e de estômago embrulhado, o que pode fazer com que eu fique vários dias ou meses sem escrever, com medo da terrível sensação de mal-estar. Aguardo, portanto, uma deliciosa palavra surgir em minha boca, uma brisa límpida invadir a sala para voltar a escrever novamente, sem medo. Aguardo a oportunidade ideal.
Engraçado que sempre escrevo em momentos tristes e difíceis. Eu não deveria estar escrevendo agora, há outras coisas, urgentes, a serem feitas. Mas aqui estou eu. Sempre disse que só escrevo bem quando estou péssimo, quando a mente está inundada de problemas e coisas ruins, de coração pesado e andar vagaroso por ruas escuras, e por que? A felicidade nos inebria, nos alcooliza, e pra que escrever quando se está feliz? Para que se expressar em um momento de felicidade? Pra que comer quando se está complemente satisfeito?
Como pensar direito quando os pensamentos estão envoltos em beleza e amor?
Somente quando se está triste e sóbrio, soturno, e a felicidade é um sonho distante, que escrever faz sentido. Somente na poluição e na fome, respirar ar puro e comer bem fazem sentido. Ninguém quer estar miserável, ninguém quer estar sozinho, ninguém quer ser infeliz, e quando se está, escrever (ou qualquer outra forma de arte) é um grito de dor angustiante mas abafado e sereno.
Escrever é exclamar aquele palavrão depois de bater o dedinho do pé na quina do sofá.
Ninguém quer morrer. E estamos todos morrendo, sempre, até mesmo neste exato instante.
Escrever nos torna imortais, ou melhor, nos permite continuar vivendo, através de nossas palavras, de nossas ideias.
Neste sentido, escrever é realmente como o alimento de nossa existência. Aquele que nunca se expressou, existiu? Se alguém nasce e morre, e ninguém no mundo soube e nunca saberá, este realmente viveu?
Então eu escrevo como respiro, e escrevo como como.

 


Roubando minhas ideias

Nunca me importei, nem nunca me importarei, com o fato de roubarem minhas ideias depois que as expressei. Afinal de contas, depois que fiz isso, elas pertence ao mundo. Eu doo elas à ele. Mas uma coisa que jamais aceitarei é que as usem antes que eu as expresse, antes que eu as fale ou escreva, odeio quando a tiram da minha mente ou da minha boca. Quando falam aquela palavra que estava na ponta da minha língua… Ah! Que sensação angustiante! “Eu que ia dizer isso”, nada me dói mais. Minto, claro que dói mais roubar não só a palavra, mas toda a frase, todo o sentido e no pior dos casos, toda a história, o enredo inteiro. Inteirinho. Aquela coisa assim, “eu já tinha pensado nisso”. E quando é justo no dia que eu pensei, então? “Nossa, tive uma ideia tão legal…” e quando você vê, está lá, escrita em um jornal de quinze anos atrás, que você acabou de ler no escritório daquele médico novo da sua mãe. Sempre esteve lá e você pomposo achando que tinha criado um pensamento novo, mas roubaram de você quinze anos antes mesmo de você pensá-lo e chamá-lo de seu. Eu que senti isso, eu que pensei nisso, eu que elaborei! Essas palavras são minhas, eu usei elas primeiro. Pode parecer infantil, mas é a verdade. Tudo o que eu tenho, que realmente é meu, são os pensamentos e as ideias que guardo pra mim, as coisas que não disse e que talvez nunca vá dizer, os sentimentos que nunca expressei, e vê-los ali, impresso em papel jornal amarelado, é descobrir que roubaram algo diretamente da sua alma, e você nem reparou.

.

.

.

Um pouco de contexto, sim? Ninguém sabe disso, porque poucas pessoas se importam e, creio, nenhuma delas tem o contexto. Sou um grande fã de Neil Gaiman, mas não pelo motivo que pensam (e quais seriam eles?). A verdade é muito mais narcisista. Sempre vi uma semelhança incrível entre o trabalho dele e o meu… Bem, não o trabalho, mas a ideia por trás do trabalho, tendo em vista que ele escreve e se expressa infinitamente melhor. E isso é SÉRIO. Eu era o Rei no Castelo bem antes de ler Sandman e ver o Sonho no Sonhar, e as semelhanças no contexto inteiro são incríveis. Mas divago, o contexto do pensamento acima é bem mais recente, diga-se de passagem: hoje (15/12/2013). Fui escrever algo nesta madrugada insone de segunda-feira e decidi, antes, ver um episódio de Dr Who, que acabou sendo o episódio premiado, escrito por Neil Gaiman, que me motivou a ver a série inteira, e que juro, nunca tinha visto antes. De repente, no meio do episódio, escuto uma frase, um pensamento solto que era uma das ideias centrais do episódio e era exatamente sobre aquilo que eu pretendia escrever! Exatamente a mesma ideia! Escrita à anos atrás… Se isso não é um roubo, não sei o que poderia ser….


Eu te possuo

Você me pertence de várias maneiras.
É minha em teu sorriso sincero e
no teu choro soluçado de tristeza.
Te possuo em tudo que é sinceramente teu.

Tal como as coisas possuem as pessoas, eu te possuo.
É minha como as ferramentas possuem o artesão
(contestável a utilidade do escultor sem seu cinzel)
Te tenho como os objetos roubados tem seus ladrões
Convidando-os sorrateiramente à levá-los embora.
Te possuo tal qual nossos sentimentos nos possuem
Louco de amor, dominado pelo medo, levado pela felicidade.
Me pertence pois te roubei há tempos atrás
Como os sonhos nos roubam de nós mesmos sempre que sonhamos

Te tenho de todas as maneiras possíveis de te possuir.
Como eu possuo braços, pernas e coração.
Te tenho como tenho sonhos, filosofias, ideais.
É minha como o mundo é meu, como minha casa, como o ar.

Você me pertence como a felicidade me pertence,
Não como direito, nem conquista: simplesmente está lá.
E acima de tudo: Te possuo como você me possui.
Como você tem pés, mãos e coração.


Diário de Sobrevivente

Ah! Por essa, ninguém esperava.

Sim, é aquele tipo de post, que faz tempo que não aparece por aqui. Muito tempo.
Só ando muito ocupado e sem energia… Diria que essa fase da minha vida, que está para acabar, está se arrastando lentamente como um rato gordo devorador de livros e poesias. Mas está acabando.
O que eu faço tanto? Bom, não sei se as pessoas ‘daqui’ sabem, mas eu sou programador. Ou seja, eu escrevo softwares, o que não deixa de ser poético. E estou terminando a faculdade, tipo, agora, meu último semestre do último ano.

Enfim, fiquei longe daqui e voltei, por que? Pois é… Talvez, com o passar do tempo eu tenha me esquecido da finalidade deste blog (droga, talvez eu tenha me esquecido da finalidade de viver), que é simplesmente um espaço que eu uso pra me expressar sem medo. Talvez eu tenha cometido o terrível erro de deixar esse lugar com uma cara séria, arrumadinha, organizada como tenho que fazer com meu trabalho. Talvez eu tenha crescido e tentei fazer isso daqui amadurecer comigo.

Mas ele não pode amadurecer… Não mais do que ele já amadureceu, ele não pode ter outra cara que não a que ele já tem. Depois de 6 anos, 234 textos e 671 comentários (e muitas aventuras, diga-se de passagem), tudo isso daqui já tem seu próprio jeito de ser. Certas coisas não podem ser mudadas, depois de um tempo. Então virei aqui as vezes pra escrever e tudo mais, mas não vou mais me preocupar com nada além de colocar os textos aqui e ler os comentários de quem leu, que são sempre muito bem-vindos, apesar de eu nunca responder. Vou fazer isso por que, um certo passarinho me lembrou, eu gosto.

A grande ideia é escrever sobre coisas legais, de maneiras interessantes (daí o grande interesse por formas diferentes de se escrever, como poesia) e ver o que as pessoas acham não porque eu quero que elas gostem, mas porque o que elas acham podem guiar o próximo texto, ou dar alguma ideia completamente nova, ou consertar algum erro no texto ou talvez discutir sobre a utilização de vários “se’s” seguidos na mesma sentença, com significados diferentes, não sei.

Não vou cometer novamente o erro de tentar deixar isso daqui “profissional” ou qualquer coisa assim, e isso por si só deve trazer de volta a vontade de escrever 🙂


Uma História de Traição I

“Eu comi ela”, me disse o bastardo maldito com um sorriso galanteador e eu juro que nunca três palavras doeram tanto, pois eu sabia que eram verdade. Quando ele me disse isso, um infinito de detalhes dos últimos dias invadiram minha mente, coisas que eu achei serem irrelevantes, coisas ínfimas que fogem ao seu contexto natural e por isso saltam aos olhos de um escritor experiente como eu. Tudo fez sentido. Todas as pontas soltas da trama que até então eu desconhecia se encaixaram perfeitamente e soube que era verdade.
Minha esposa estava muito sorridente quando retornei, porém seus olhos não se encontravam com os meus, ela já não procurava meus toques discretos, as poucas vezes que fazíamos amor eu não me sentia suficiente para agradá-la e eu culpava a minha ausência, que me deixava ansioso e a deixava carente, as vezes me parecia grossa como se estivesse irritada com algo mas sempre dizia que estava tudo bem e sorria. Ah, aquele sorriso! Eu devia ter visto a tristeza e a culpa através dele como eu vejo agora…
“Eu comi ela”, essas palavras! Malditas sejam, por sua vulgaridade, por seu peso enorme, por seu significado e mais importante: pelas imagens que me trouxeram a mente, pois eu, como bom escritor que sou e há muito exerço o que amo como profissão, fui imerso em uma sequência de imagens e sensações no momento em que me encontrei sozinho. Eu não queria ficar sozinho, mas eu tinha que ficar sozinho, mas não sei se qualquer leitor é capaz de entender.
As cenas vieram a minha mente como uma torrente inesperada e eu estava completamente afogado pelas lágrimas que escorriam dos meus olhos e mesmo assim, eu podia ver claramente o que se passava, eu era o expectador de uma alucinação terrível que eu sabia ter acontecido em algum momento.
Soube que eles haviam se conhecido em um bar, então o cenário foi montado e eu estava sentado ao lado da mesa de amigos dela, onde o canalha acabava de ser introduzido, provavelmente amigo de uma amiga da mesa. Vi o sorriso dele para ela e a negativa dela em resposta, ela me amava e era digna e eu sei que não cederia ao primeiro sorriso sedutor.
O que se seguiu foi uma constante perseguição, ele sempre a procurando, ligando incessantemente nos horários que eu não estava em casa, nos momentos que eu não estava com ela, e ela disfarçava por que não queria me preocupar já que eu estava concentrado em um livro que estava escrevendo na época, imerso numa história de assassinato de um amante. Irônico, mas eu não pude sorrir. As cenas prosseguiram alheias a minha vontade, pois tudo o que eu queria era sentar em algum canto escuro e gritar a plenos pulmões, mas só pude ficar ali, deitado na cama chorando e sendo levado embora pelos meus pensamentos.
Ele deve ter sido insistente e sedutor por algumas semanas, e com certeza deve ter tido ajuda de alguma amiga que não gostasse de mim, ajudando com encontros nomeados como obras do destino e santificando aquele homem que deveria ser um demônio das camadas mais baixas do inferno.
Em algum momento, provavelmente enquanto eu estava fazendo a turnê de lançamento, ele se aproximou derradeiramente. Com ela sozinha, vulnerável e carente de atenção, uma pequena brecha com certeza se abriu. E ele aproveitou.
Pude ver enquanto eles se beijavam, ela hesitante no começo, mas cada vez mais sedenta e ansiosa. Seu corpo me traiu e se entregou a ele, enquanto a mente tentava ver uma imagem de mim que esvaia em meio aos braços e pernas cada vez mais desnudos e quentes. Agora, cheia de luxúria e carência, só o queria, pedia por ele, desejava-o mais do que qualquer coisa, e o arranhava a cada gemido, a cada grito contido e eu espectador disso tudo tentava fechar os olhos inutilmente, tapar os ouvidos, tentava não sentir o gosto, mas estava tudo dentro dos meus próprios pensamentos dos quais ninguém podia me salvar. Fui imaginando cada detalhe e observando a cena de vários ângulos, tentando tirar minha mente daquele lugar imundo mas não consegui, o costume de um escritor que usa muito a imaginação.
Por fim, ao ultimo som de prazer, o último grito, ela foi preenchida de culpa e angustia, mas o diabo a consolou e a convenceu de que eu jamais saberia, de que eu permaneceria ignorante e talvez até de que eles pudessem se ver de novo, quando eu viajasse mais uma vez, então ela jamais ficaria sozinha novamente, ninguém sairia machucado.
Convencida e cansada, ela provavelmente adormeceu em seus braços, aconchegada, enquanto ele sorria se vangloriando de seu triunfo.
Quando eu retornei da viagem, ela estava feliz e radiante por que eu estava de volta, por que não precisava mais me esperar. Ela estava infinitamente mais fogosa e eu não fui capaz de satisfazê-la, ela queria uma emoção nova que experimentara e eu não podia proporcionar: Se entregar ao proibido.
Sei que ela me amava ainda, que ela estava realmente feliz de me ver de volta, que seu sorriso era sincero a cada vez que me via, mas secretamente ela desejava algo que não era eu, algo que não podia ser eu, que ela queria sinceramente que fosse, mas não era. Não mais.
Fora das minhas lembranças eu estava encolhido na cama, soluçando como uma criança, mas tentando manter o pouco de dignidade que imaginar involuntariamente aquelas cenas me deixaram.

Será este era o fim da história? Não, um bom livro não terminaria assim…
Eu terminaria com ela para que ela corra aos braços dele, se escravizar em troca da ilusão de um porto seguro? Ou continuaria com ela, observando a cada dia a minha figura no espelho murchar diante de súplicas de amor que não posso mais atender?
Nenhum dos dois, obviamente. Enxuguei as lágrimas, limpei meu nariz e me olhei no espelho.
Se eu fosse escrever essa história, o protagonista com certeza veria o lado mais negro de sua alma ao se olhar no espelho neste exato momento. Meu rosto refletido sorriu. E eu não chorei mais.

.

.

.

Antes que me perguntem, esse texto não tem nenhuma ligação com a realidade. Só fruto de uma mente doentia. 🙂


Ressurgir do Rei

O céu negro de tempestade deixou escapar um raio de luz, que tocou a grama em um morro perto do castelo.

Um evento efêmero, dirão uns, mas não ali onde quase tudo já havia morrido e onde quase nada mais existia. As pessoas eram pobres e suas coisas eram frágeis, seus lares, sombrios, e seus pastos de grama rala e fraca. O castelo, outrora esplendoroso, não era mais do que um monte de pedras sujas e cobertas de limo mau-cheiroso por centenas de anos e no centro do salão principal, nada mais do que espaço retangular delimitado por esboços de paredes de rocha semi empilhadas, um esqueleto sentado em um trono, não um Rei.

Por isso, a grama silenciosamente agradeceu ao raio de luz que tão arduamente lutou para tocar o chão, e o negrume do céu empalideceu com tal visão. Naquele exato lugar, nasceu uma flor. Não muito grande, não muito bonita, mas ainda assim uma flor.
E uma flor muito vaidosa e corajosa. Cresceu até onde pôde e se esforçou até onde podia, sem poder se mover e utilizando daquele solo pobre e estéril.
Uma menina, passando descuidada por este lugar evitou por pouco a tragédia de pisar em tal flor diminuta, no último instante, reparando-a com curiosidade. Apesar de tudo que significava não chamava muita atenção dado o seu tamanho.
A menina colheu a flor e a cheirou e vendo quão cheirosa era, levou-a consigo para brincar. A corajosa menina foi para o castelo pois os meninos não queriam brincar com ela. Queria trazer a coroa do rei morto para mostrar pra eles que podia, que era corajosa e digna, mas se esqueceu do desafio, completamente, maravilhada com a flor.
Começou a procurar por mais daquela planta estranha – ela era jovem e jamais havia visto uma flor, somente as secas que cresciam em volta de sua vila – e queria mostrar várias para seus pais. Mas antes de continuar procurando deu de frente com o trono real e sentado nele o antigo rei com sua coroa, e com isso se lembrou de seu intento e caminhou vagarosamente em direção à figura esquelética.
Ainda vestia alguns trapos mas quase não havia carne em seus ossos e estava sentado como um verdadeiro rei, pomposo apesar de decrépito. A menina caminhou em direção ao trono e teve muita pena do Rei, que era retratado em vários poemas de sua vila como grandioso e heroico.

Achou correto prestar uma homenagem ao rei colocando sob seu colo a pequena flor. Não estava assustada pois estava em um local aberto, bem iluminado e podia ver sua vila morro a baixo, e além de tudo porque era verdadeiramente corajosa. Fez aquilo por respeito, talvez, e se ajoelhou em frente do Rei e recitou um poema muito conhecido, que se referia ao rei morto. (aqui)
Ao erguer os olhos, ela congelou.
A flor, ao perceber onde estava soube imediatamente o que fazer, e com tremendo esforço cedeu ao rei um pouco da luz que havia lhe dado a vida e o Rei não poderia ignorar tal sacrifício, mesmo morto.
O Grande Rei recolheu a flor, sorriu amavelmente e olhou em volta. Estava inteiro, vivo e limpo, sem um arranhão ou cicatriz. Estava novo. Não poderia dizer que esteve morto, apesar de suas roupas continuarem em trapos dignos de um morto. Ele fitou a flor por um tempo e agradeceu a ela, que, para surpresa da menina, pareceu honrada. Então desceu do trono, abaixou próximo a menina e lhe estendeu a flor, colocando-a em seus cabelos.
A flor lhe acariciou os cabelos sujos e disse em voz alta três vezes: vida longa ao Rei.
Por que o rei estava vivo de novo.
Na última viva da flor, a menina a acompanhou. Vida longa ao Rei. Fez sol de novo no Reino.


Por causa da Laura

Eu tento ser feliz, juro que tento, mas Laura não deixa. Laura me mastiga com sua indiferença casual e seus olhares reprovadores. Ela não permite que eu seja feliz.
Muito embora ela mesma tenha mudado e se permitido felicidade, como uma mariposa que saiu de uma lagarta. Não sei como ela fez. Não quero saber.
Ela segue atrás de mim em sonhos que me escapam ao despertar, mas que de alguma forma sei que eram sobre ela, como uma sombra, minha sombra, ela se arrasta atrás de mim incessantemente, ou talvez seja só coisa da minha cabeça como ela disse quando eu achei que a vi em uma loja qualquer no shopping com um cara qualquer. Se ainda não estivesse sozinho, seria melhor, eu acho, mas jamais terei certeza, pois sei que estarei sempre sozinho apesar de Laura sempre estar comigo.
Eu seguro um pensamento malicioso por um segundo, mas ele escapa.
Eu sorrio, mas não de felicidade, e sim de puro desdém por mim mesmo. Eu sigo a trilha e Laura me segue.
Mas Laura é feliz longe de mim e não me deixa ser. Está contente enquanto eu estou aqui definhando diante de uma prostituta e uma garrafa de vodka barata dessas que ficam muito boas com sucos de saquinho, mas estou divagando. O grande problema é a Laura. Ela se permitiu felicidade e me esqueceu. Ou antes ainda, nunca se lembrou de mim.
Vou cambaleando e pensando no pobre rapaz que estava com ela antes dela estar comigo. Que destino infeliz ele teve. Para sempre amigo dela, até depois do término derradeiro, para sempre destinado a compartilhar de sua felicidade, sem nunca fazer parte. Um destino muito mais terrível que uma vida de álcool e filosofia barata de banca de jornal e livretos de dez reais, pois pelo menos esses te dão um significado. Ele escolheu ser assombrado, e bom, talvez ele seja feliz.
Eu choro em um riso torto, e Laura me segue por vielas escuras de bairros nada saudáveis, bairros que foram esquecidos e desprezados como eu. Me sinto como a sujeira da calçada que piso violentamente tentando me manter equilibrado. Um homem me aborda tentando por as mãos em meu bolso e eu sussurro em seu ouvido: “A Laura vai ver você, ela está logo ali atrás de mim…” e ele me olha surpreso tentando decidir se confia em mim ou em meu hálito de vomito e vodka. Imagino que ele tenha decidido que, independente da verdade, aquele roubo não valia a pena pois eu não tinha nada.
Isso mesmo, nada a não ser um fantasma que me segue por esquinas tortuosas de ruas estreitas. Ri daquilo. Ri com vontade. Ri tanto que meu estômago doeu e eu finalmente perdi o equilíbrio que me sustentava apesar de minha constante luta contra a gravidade. Cai em um chão áspero e machuquei o joelho e não parei de rir, minha respiração arfando descontroladamente. ‘Fui rejeitado até mesmo pelo ladrão’, pensei, e ri mais. Me lembrei de um episódio de um programa de TV o qual dizia que se podia morrer de tanto rir, e gargalhei mais ainda.
Meus olhos lacrimejaram e me cegaram e tudo o que eu podia ouvir era minha própria risada, a última coisa da qual me lembrava. E por fim, eu estava em casa e era de manhã e Laura não estava lá, nem nunca esteve.